terça-feira, 1 de maio de 2012

Um belo Lago Titicaca


Parecia ser só mais uma viajem, eu adoro esses passeios para o exterior. Sempre tive vocação para visitar terras novas, todos que me viam, acabavam me conhecendo, meu jeito doce e educado obrigava todos a gostarem de mim, pelo menos a maioria. Os homens me elogiavam, as mulheres faziam tudo para terem uma noite ao meu lado,eu nada fazia, era natural, alto, um metro e oitenta e dois de altura, olhos verdes e cabelos escuros, tinha porte e elegância, poucos eram como eu.
Nasci e fui criado no Brasil, mas depois da formatura de faculdade, decidi viajar. Não queria morrer sem conhecer boa parte do mundo, era jovem, desimpedido. Viajei por toda a Europa, conheci Madrid na Espanha, Lisboa em Portugal, Paris na França, Roma na Italia, entre outros países, parte da África e da Ásia.
Desde pequeno tinha muita vontade de visitar os países da América, agora que já conhecia os países do Velho Mundo, decidi ir rumo aos latino-americanos e foi em uma anuncio de uma agência de viagens nova em Porto Alegre que tomei a decisão, fazia uma promoção imperdível, na compra de ida,  ganhava a volta inteiramente gratuita.
Não podia perder a chance, comprei o mais recomendado, seria uma viajem espetacular, de avião, de ônibus e de barco. O roteiro era esplêndido, Lago Titicaca, já havia escutado sobre este lago e por este preço, fui sem pensar  duas vezes.
Adorava escrever sobre as histórias que vivia em minhas viagens. Por cada lugar que passava, me identificava com algo que me chamasse atenção. Tinha que ter um enredo, um fato e vários elementos para com por o meu diário de bordo.
Começamos a expedição,  não escutei algumas explicações do guia, pois preferia ficar de namorico com minhas colegas de viajem, muitas delas eram jovens e atraentes, tinham pele sedosa, olhar malicioso, me atraiam muito. Mas me recordo de algumas frases mencionadas, que o Lago havia cerca de 8 300 quilômetros quadrados, o Lago navegável mais alto do mundo e o segundo em extensão da América Latina, sua localização era 3 821 metros acima do nível do mar e comercialmente, era o mais alto lago navegável do mundo.
Fizemos à primeira parada na fronteira, foi muito engraçado, podia me sentir vitorioso. Estava em dois lugares ao mesmo tempo, estavam todos me olhando, me ria euforicamente. Tinha um dos pés no Peru e o outro Pé na Bolívia, todos riam da minha atitude, debochavam da minha maneira de ver aquela situação, porém, depois de algum tempo fizeram o mesmo, um pé para um lado, um pé pro outro lado, um a um, repetiam a façanha. Até mesmo um senhor de idade, sem os dentes da frente, sério, sem respostas, teve a mesma atitude, achávamos que ele era mal-humorado, mas era só impressão.
Guardei aquele dia como se fosse hoje, 20 de setembro, ao redor a vegetação, o lago limpo, cristalino, naquele dia parecia mais azul, então na beleza do ecossistema, conheci quem pensava ser a mulher da minha vida, uma chola, bela, deveria ter mais ou menos uns vinte anos. Era forte, bonita, arrojada. Vestia uma roupa um tanto quanto esquisita, a cultura dela a obrigava a se vestir assim. Chapéu de palha, sem maquiagem nem pintura, casaco azul com ribana vermelha, amarela e verde, blusa branca e saia pregueada vermelha, nos seus pés só tinham calos, não usava chinelo ou tênis, ficava descalça. Perguntei a ela qual era seu nome e o que fazia ali, me respondeu, não entendi nada mais que “Mary na”, assim foi como comecei a lhe chamar, Marina. A convidei para voltar a Isla dos Uros, não sei, mas acho que aceitou. Muitos poderiam me perguntar por que havia me apaixonado por uma chola com culturas, hábitos, e país diferentes dos meus. Mas a resposta era simples, em minhas viagens, sempre me apaixonava por alguém, mas amor, não, nunca senti nada mais que uma forte atração pela cultura local. Gostava de viver romances novos e escrever sobre eles, era escritor. Para cada país que viajava, existia uma história nova, para cada história um romance diferente, e assim foi.
Pela noite nos encantamos com a vós de Marina, agora, minha convidada. O guia explicou que as cholas são excelentes cantoras, ela cantava e eu me apaixonava, aquele cenário, digno de cartão postal, estava vivendo uma paixão fantástica num lugar excepcional, o Lago Titicaca era uma paisagem inesquecível.
Nunca disse que queria passar a vida com Marina, mas ela achava que assim seria. Me senti um pouco malvado ao tomar aquela atitude, porém, tive ela em meus braços e a fiz mulher. Foi encantador, minha euforia era tanta com aquela moça que não deixava que os outros se concentrassem.
Viajamos algumas horas ate chegar a Isla do Sol, ela e Isla dos Uros são duas das mais de quarenta ilhas do Lago. Viajei abraçado em minha chola Marina, me apeguei muito a essa mulher e ela a mim. Acreditava que se ficasse com ela, teria uma maior afinidade com o ambiente, aquela vegetação era maravilhosa, passava o dia apreciando a paisagem, o lago e a extensão de terra, pela noite, escutava minha chola cantar e ficava admirando o céu cheio de estrelas.
Chegamos a Isla do Sol, a vegetação era predominante, havia mais verde do que casas, eram lindos aqueles morros, me encantava. A oportunidade de estar na ilha fazia todos da expedição, serem privilegiados. Quando desembarcamos, fomos  ao museu, um dos grandes atrativos da ilha, outro atrativo que vimos foi à rocha sagrada, passamos pelo labirinto e fizemos uma caminhada de um lado a outro da ilha. Esta era considerada pelos incas uma ilha sagrada. Os indígenas viviam nessa ilha, de acordo com pesquisas, eles foram os primeiros colonizadores.
Cruzamos com vários turistas, vimos diversas pessoas, desde as que estavam viajando no mesmo barco, até alguns nativos. Os moradores dali foram muito atenciosos e prestativos, nos falavam de suas culturas, como viviam, seus hábitos. Comecei a me sentir em casa, tirava as fotos, mas em verdade, não queria que ficasse só na memória, comecei a me apegar ao ambiente, já estava me acostumando com a situação climática e a baixa pressão atmosférica.
Começou a chover e todos foram para um barzinho. A tarde foi de muita alegria, apesar de não bebermos nada, ficamos brincando até que a chuva passasse. Pegamos um baralho e jogamos a tarde toda. Depois que passou a chuva, agradecemos ao dono e continuamos nossa expedição.
Fazendo nossa caminhada, encontramos uma senhora que disponibilizava seu banheiro para os turistas usarem, mas claro, tínhamos que pagar para utilizar o sanitário.
Estávamos conversando, quando um jovem baixo, cabelos escuros, alias, todos por lá tinham os cabelos escuros, camiseta preta, calça marrom, talvez de sujeira, nos interrompeu e me perguntou se era brasileiro. Fiquei meio assustado com o jeito que ele me fez a pergunta, mas respondi a verdade, mostrou um enorme sorriso e disse que adorava o Brasil. Começou a falar sobre Robinho, Kaká, entre outros jogadores da seleção. Fiquei meio sem jeito, porém, quando pegaram uma bola e puseram no meu pé, me senti no Brasil, eles amavam meu país. Brasil, Rio de Janeiro, futebol, samba, não paravam de conversar, nesse meio tempo, já estavam a minha volta uns dez rapazes, todos querendo saber sobre a minha nação. Neste instante, olhei para o Lago, o qual não parecia ter fim e decidi que seria lá onde ficaria, mas Marina não deixou, fez com que continuasse a rota junto aos outros, pois ela queria vir para o Brasil comigo. Nunca, ninguém havia se apegado tanto a mim, ela era tão ingênua, muito tola, pensava que queria algo sério com ela e agora, estava sem rumo, queria ficar e ela sair.
Pela noite conversávamos, eu e Marina com a ajuda do Carlos, que era tradutor. Me perguntou o que fazia no Brasil e respondi que escrevia sobre a vida dos outros, tinha mais de vinte livros publicados e também era gerente de uma multinacional. Pediu que fizesse um livro onde ela estivesse, respondi sim. Prometi que o próximo livro falaria nela. Pedi que ficássemos um pouco mais, porem a chola se mostrou indiferente e não quis me escutar.
Continuamos a expedição contra a minha vontade, parecia que já estava casado com ela, mandava como se fosse dona de mim, no começo não me importei, mas confesso, era diferente, nunca mandaram em mim antes, sempre mandei nas relações.
Mas sabia que era só mais um romance, não iria durar mais do que o resto da excursão. Tinha em minha volta uma paisagem bonita, não iria me deixar irritar por qualquer motivo. Tinha tudo e todos sobre controle. Me admirei das meninas não terem brigado por terem ficado comigo, quanto a isto, ficava neutro.
Quando tentava relaxar, respirava fundo e pensava no Lago, pronto, já me acalmava. Copacabana era um lugar esplendido, todo o tempo em que passamos na cidade foi o necessário para ficarmos impressionados com muitas áreas. Seja com a ilha ali próxima, com os restaurantes maravilhosos, com a vida jovem e de aventureiros que passavam sobre aquele lugar ou também, sobre os poucos barzinhos que ali existiam.
Na ultima noite naquela região, fomos comemorar nossa viagem em um dos barzinhos. Marina já dominava um pouco de nossa linguagem. Isto era surpreendente, já que ela, como o nome do Lago Titicaca, é descendente de Quíchua e Aimará. Quando começamos a beber o guia nos avisou que não deveríamos beber muito, tínhamos que ter cuidado com a bebida, Copacabana tinha uma altitude muito elevada, ingerir bebida alcoólica em exagero poderia nos causar algum mal. Mesmo assim, algumas pessoas não escutaram a recomendação feita por Carlos, o senhor desdentado foi um deles.
No outro dia, estes que se embebedaram estavam muito enjoados, mesmo assim seguimos viajem rumo a Pumo no Peru, era hora de visitar Isla dos Uros, que era composta por várias ilhas artificiais, as quais serviam como grande atrativo turístico e por este motivo é que fomos para ilha. Era maravilhoso avistar aquelas ilhas, flutuavam sobre as águas do Lago Titicaca. Lá viviam muitas famílias.
A única coisa que me desconfortava era a temperatura, estava muito frio e a umidade no ambiente era muito grande, mesmo assim queríamos passar a noite ali, mas nosso quadro de atividades não permitia que posássemos, tínhamos tempo certo para a excursão. Esta ilha está com a modernidade a todo o vapor, os Ures possuem energia, restaurantes, belas comidas, típicas da região, a gastronomia é composta por uma dieta feita à base de carboidratos e vitaminas. possuem telefone público e também correios. Mas claro, se fossemos enviar uma mensagem teríamos que comprar um postal, escrever a mensagem que gostaríamos de enviar para a pessoa desejada e dentro de uns quatro dias ele seria entregue ao destinatário, comprei e enviei um postal para minha mãe, disse às maravilhas que conheci. Marina me obrigou a escrever sobre ela, falar que estava apaixonado e de que voltaria cheio de histórias para contar. Minha chola aprendeu muito rápido o idioma português, desconfiei se já não sabia da linguagem antes, pois ficou cuidando, palavra por palavra do que eu escrevia. Fiquei impressionado quando soube que alguns anos depois, os Ures iriam ter acesso à internet, esta região realmente estava muito evoluída. Se eu fosse novamente lá uns três ou quatro anos depois certamente iria me deparar com um computador cheio de utilidades para usar. Então perguntei a minha chola porque queria sair dali, meio enrolada na linguagem, disse que detestava o lugar, não suportava mais viver em uros. Olhei para ela e comecei a perceber que deveria me distanciar, não era tão ingênua quanto pensava, seus olhos cor de mel brilhavam como de uma fera, pronta para dar o bote.
A cultura da região era muito interessante, os homens eram chamados de Uros, como o nome da ilha, as mulheres, cholas e as crianças niños. Os niños estudavam numa ilha próxima de suas casas, a professora lecionava o básico, mas já ensinava também aulas sobre turismo.
Me surpreendi com um garoto que cantava em mais de oito línguas diferentes. Mostrava seu esforço, dedicação e persistência. Seus pés estavam descalços numa temperatura média de nove graus Celsius, mesmo assim, cantava radiante.
Nos alojamos em casas simples, feitas de palha, parecidas com ocas, no meio da grama. A situação era complicada, pois os abrigos não tinham banheiros, toda e qualquer necessidade fisiológica que tivéssemos, teria que ser na beira do lago, então evitamos ao maximo de usar estas encostas. Era muito difícil, a região era fria, quase que impossibilitava o banho. Foi horrível, pensei que iria congelar, as águas eram muito geladas. Fizemos um banho coletivo, Carlos explicou sobre a água ser em temperatura ambiente e a sensação térmica parecer mais frio que o normal. Tivemos que nos lavar pela tarde, onde a água era mais quente, uma vez, que pela manhã o Lago, como qualquer outro aqüífero, começava a esquentar e pela tarde começava a esfriar.
Os Uros também viviam da pesca, tudo era muito natural. Eles tinham uma cerca, aonde colocavam os peixes, que ficavam neste cercado até serem consumidos, um meio fácil de conservar a pesca, já que o clima ajudava.
Vimos distantes, os pais da Marina, pensei que por fim, meus problemas teriam acabado, achei que quando voltasse a ver seus pais, mudaria de idéia e iria querer ficar. Mas o contrario aconteceu, eram os pais que incentivavam a chola a vir comigo para o Brasil. Quando souberam que eu era o possível genro deles, me cumprimentaram e me levaram para conhecer suas embarcações, que eram confeccionadas por eles. Tinham vários tipos de confecções, desde as pequenas até as grandes. Então José disse que poderia levar o barco, que era constituído por pedaços de madeira, palha entre outros adereços, como dote para que casasse com sua filha.
Entrei em desespero, os pais da chola queriam que me casasse com ela, mas nunca quis compromisso, não poderia deixar a moça, eu havia a desonrado, seria obrigado a casar com esta infeliz. Não estava gostando da situação, não iria levar esta mulher para o meu país, era muito jovem para casar e não queria ficar com alguém que só ficaria em casa esperando o almoço de braços cruzados.
Comecei a me sentir mal, minhas mãos ficaram frias, achei que a morte havia chegado para mim, mas era marina e cada vez mais me infernizava, estava arrasado. O pior ocorreu, saímos em direção as embarcações e ela veio junto, disse que queria ir, então propus que ela fosse e eu ficasse. Ficou brava, furiosa, seu rosto pardo, avermelhou. Estava a ponto de fazer uma loucura com Marina, amei aquele lago e disse para ela que queria viver para sempre naquele lago. A chola olhou em minha direção e disse que queria alguém só para ela. Contou que teve um noivo que preferiu o Lago Titicaca. Ela o envenenou, depois o jogou no Lago. Não dormi naquela noite, fiquei pensando nos jeitos que poderia morrer, eu amava o Lago, mas não podia morrer por causa dele.
As horas pareciam não passar, olhava no relógio e pensava, sentia a morte em minhas costas, minha fúria era tanta, estava com uma louca no barco, todos estavam dormindo. Não via a manhã chegar, comecei a rezar, talvez eu soubesse o final da história, mas decidi adiar. Esperava uma solução, precisava pensar, não podia esperar por um milagre, nunca fui muito religioso.
Pela manhã estava mal-disposto, pelo fato de ter passado a noite acordado. Marina estava louca para chegar no Brasil e eu, queria que ela ficasse na Bolívia.
Corria os olhos pelo Lago Titicaca, o qual não parecia ter fim, não estava em meu juízo perfeito, foi quando ela me abraçou, depois de sete dias e quatro horas, senti minha chola novamente, mas não era momento de ser doce, deveria ser rígido. Pedi um tempo, queria que ela se afastasse. Queria provocar um impacto nela, e provoquei. Disse a Marina que não queria alguém, o qual estivesse sempre ao meu lado, mandando em mim. Queria um parceiro que soubesse escutar e fosse compreensivo.
A tensão ficou grande, a chola se revoltou e quis me matar, grudou em  minha garganta com firmeza, puxei seus cabelos e a joguei no Lago. Tinha certeza que a havia matado, pois no ponto que caiu era o mais fundo, tinha duzentos e oitenta metros de profundidade.
Me sentia vitorioso, estava debilitado pela insônia, mas mesmo assim tive força para derruba-la.
Quando cheguei em casa, minha mãe perguntou sobre Marina, queria saber quem era e onde estava, já que havia falado tanto dela. Abri os braços e a abracei, beijei e disse que foi uma invenção minha. Nunca conheci nenhuma chola com este nome, simplesmente precisava de uma musa para minha história. Fui para meu quarto, vitorioso. Talvez minha mãe não tenha acreditado em minhas palavras, mas sabia que ela nada faria para investigar.
Estudei minuciosamente a hora certa de jogar Marina do barco, foi o crime perfeito, todos em sua região pensavam que ela estava no Brasil. Aqui, além de minha mãe, ninguém mais sabia da existência dela. As pessoas que foram comigo na viagem, nunca mais vi.
Foi certeiro, fatal, perfeito.


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